O bilionário das letras

O bilionário das letras

Por: Janguiê Diniz
07 de Mar de 2016

O empresário José Janguiê Diniz recebeu a informação de que seu nome havia sido incluído na lista de bilionários brasileiros, na última semana de junho, como uma notícia corriqueira. Não houve comemoração, festa ou a compra de presentes extravagantes para celebrar a entrada nesse grupo restrito. Aos 50 anos, a vida do controlador do grupo Ser Educacional, a maior rede privada de ensino superior das regiões Norte e Nordeste, dona das faculdades Maurício de Nassau e Joaquim Nabuco, é bem diferente da do garoto que, aos oito anos de idade, no início dos anos 1970, montou uma caixa de engraxate para conseguir um dinheirinho para reforçar o caixa da família e pagar pequenos luxos, como o ingresso do cinema.

A necessidade financeira despertou a sensibilidade de Janguiê, como é mais conhecido, para os negócios. Ao perceber que seus colegas lucravam mais com a venda de laranjas, ele se desfez da caixa e saiu às ruas para oferecer a fruta. Em seguida, entendeu que o produto sazonal da vez era o sorvete e investiu em picolés. Até a inauguração da primeira unidade da sua universidade no Recife, em 2003, Janguiê foi ajudante em bar, office boy, datilógrafo e professor. “Nunca tive problema em mostrar o que fiz porque todo trabalho é digno”, diz ele. “Sempre estudei muito e fui empreendedor, nunca almejei ser rico.”

Em outras palavras: para Janguiê, tornar-se membro de um clube exclusivo, em que despontam nomes como Jorge Paulo Lemann, Abilio Diniz e José Safra, foi consequência. Essa consequência é, de fato, produto de uma dedicação diária de 15 horas aos negócios construídos em pouco mais de uma década. Nos fins de semana, ele intercala partidas de vôlei e trilhas em sua moto de aventura com o trabalho, principalmente na preparação da agenda semanal, que precisa considerar todos os seus investimentos. Além da rede de ensino, Janguiê está presente no setor imobiliário, numa agência de comunicação e numa marca de roupas.

Até dois anos atrás, ele acompanhava o braço educacional a distância e dava expediente como procurador-geral no Ministério Público do Trabalho no Recife – seu irmão Janyo sempre foi o presidente do Ser Educacional. Ao se desvincular dos cargos públicos, entre eles o de professor da Universidade Federal de Pernambuco, Janguiê pôde assumir a presidência do conselho de administração e a reitoria da Universidade Maurício de Nassau (Uninassau). “A presença do José Janguiê no dia a dia é um diferencial importante para o Ser, principalmente pela visão e pelo conhecimento que ele tem da região”, afirma Guilherme Moura, analista de educação da Fator Corretora, de São Paulo.

Pessoas próximas a Janguiê dizem que a obstinação é a sua principal característica. Até os 14 anos, ele morou na Paraíba (onde nasceu, em Santana dos Garrotes), em Mato Grosso do Sul e em Rondônia. Em nenhum momento abandonou a escola e sempre foi dedicado aos estudos. Como na cidade de Pimenta Bueno, localizada a 518 quilômetros da capital Porto Velho, não havia escolas de segundo grau, Janguiê decidiu enfrentar uma viagem de sete dias de ônibus pelas estradas de terra para chegar no Recife e procurar um tio, o advogado Nivan Bezerra da Costa, que não o conhecia.

Janguiê conquistou o parente ao datilografar uma petição em menos tempo que as secretárias do escritório: ganhou um emprego e um rumo na carreira, arquivando o antigo sonho de ser médico, para se formar em direito. “Trabalhava de dia e estudava de noite e consegui passar no vestibular da universidade federal”, diz ele. “Estudo para mim é meta e compromisso.” Agradecido, tempos depois, homenageou o tio batizando com seu nome a biblioteca do campus da Uninassau.

EMBRIÃO No início dos anos 1990, Janguiê decidiu montar um curso preparatório para concursos públicos. A ideia surgiu com a própria experiência: ele teve de ser autodidata para conseguir passar no concurso do Ministério Público. Mas Janguiê, que se disciplinou a estudar seis horas por dia, durante dois anos, concluiu que poderia ajudar quem não conseguia aprender sozinho.

Em 1993, juntou cerca de 40 pessoas numa sala de aula. Três anos mais tarde, oficializou a criação do Bureau Jurídico, o nome do cursinho. Poucos acreditaram que, mesmo com a carência no mercado de ensino, o negócio seria bem-sucedido. Janguiê não ligou e acertou a compra de um terreno com a venda do seu carro, um Tempra. No auge, o Bureau Jurídico se tornou uma marca conhecida, com mais de mil alunos. Era o embrião do que viria a ser o grupo Ser Educacional. “Estudar e empreender são as duas únicas maneiras de vencer na vida”, diz Janguiê.

As atuais 27 unidades das faculdades Maurício de Nassau e Joaquim Nabuco espalhadas por 11 Estados do Norte e do Nordeste já estavam nos planos de Janguiê quando conseguiu a autorização do Ministério da Educação e inaugurou a universidade, no bairro das Graças, na zona norte do Recife – a área foi comprada de uma empresa de telefonia por cerca de R$ 1,5 milhão com uma pequena entrada e um financiamento de três anos. O ex-engraxate trafegava com o farol alto: ele queria ser um dos grandes do setor educacional. Para provar que havia muito esforço e pouca ilusão na empreitada, contratou a Mesa, uma das principais consultorias especializadas em governança corporativa do País.

A primeira impressão do consultor Herbert Steinberg foi de reticência em relação às ideias e projeções do cliente. No entanto, com a convivência, Steinberg percebeu que o empreendedor tinha, de fato, ousadia correndo no sangue. “Sou muito inquieto”, afirma Janguiê. “Só sossego quando o sonho é realizado.” A certeza que Steinberg precisava ter sobre a viabilidade do plano de negócio de Janguiê veio com a decisão de atrair um sócio-investidor. São poucas empresas familiares que topam dar dois passos importantes num curto espaço de tempo: a profissionalização da gestão e admissão de um parceiro de fora.

O Cartesian Capital Group, um fundo de private equity com sede em Nova York, com US$ 2 bilhões sob gestão, atualmente, entrou com R$ 48 milhões para ajudar na expansão do Ser. O aporte, realizado em 2008, foi decisivo para que o Ser Educacional saísse às compras, incorporando concorrentes ao grupo. Até o ano passado, foram dez redes de ensino absorvidas – a União de Ensino Superior do Pará (Unespa) foi a mais cara, adquirida por cerca de R$ 152 milhões. “A concentração no mercado do ensino privado é cada vez maior”, diz Alexandre Nonato, analista de mercado da Hoper Educação, consultoria especializada no setor.

“Hoje, 12 empresas detêm cerca de 40% da educação superior privada no Brasil.” Há cerca de uma década, quando Janguiê deu início à sua rede de ensino superior, as 20 maiores empresas tinham apenas 14% do total desse mercado. A tendência é de que, em menos de cinco anos, apenas dez empresas concentrem metade do setor. E o Ser Educacional é uma das líderes desse movimento de concentração. A intensificação desse processo de fusões e aquisições aconteceu a partir de 2008, ano em que o fundo Cartesian entrou no Ser. De lá até o fim de 2013, foram 155 negócios, segundo relatório da consultoria KPMG.

O mais representativo foi o anúncio, no ano passado, da união da Kroton e da Anhanguera, aprovada pelos acionistas das duas companhias na tarde da quinta-feira 3, que formará um grupo educacional com mais de um milhão de alunos e valor de mercado estimado em R$ 22 bilhões – segundo Janguiê, Antonio Carbonari Netto, um dos fundadores da Anhanguera, é um dos inspiradores. Agora, o ativo mais atraente para uma compra ou fusão nesse mercado parece ser a Universidade Paulista (Unip), que continua como uma universidade sem fins lucrativos. Com mais de 200 mil alunos espalhados em 65 unidades, a rede criada por João Carlos Di Genio é tida como um livro raro num mercado que vai fechar este ano com faturamento total de R$ 36 bilhões.

VALORIZAÇÃO Para não se tornar um alvo, o Ser concluiu o processo de profissionalização com a abertura de capital na BM&FBovespa, em outubro do ano passado. Os R$ 620 milhões captados com o ingresso na bolsa de valores serão utilizados, prioritariamente, na expansão (detalhe: Janguiê detém ainda 70% do capital do grupo). Neste ano, os negócios estão devagar no setor: apenas duas incorporações foram fechadas. Uma delas foi protagonizada pelo Ser, de Janguiê, que comprou a Faculdade Anglo Líder (FAL), de Pernambuco, por R$ 2,1 milhões, no primeiro semestre.

Na terça-feira 1º, a Estácio Participações, por sua vez, adquiriu a Organização Paraense Educacional e de Empreendimentos (Orpes), mantenedora do Instituto de Estudos Superiores da Amazônia (Iesam), com sede e campus em Belém, a capital paraense, por R$ 80 milhões. “O aumento da competição é um dos principais riscos para o Ser. No entanto, os grandes grupos não devem se expandir agressivamente nas regiões Norte e Nordeste”, escreveram Diego Moreno e Thomas Humpert, do Bank of America Merril Lynch, em relatório. “E, como o reconhecimento da marca é local, o crescimento orgânico para novas cidades pode ser arriscado.”

O desempenho da companhia tem agradado a analistas que cobrem o mercado de educação. A projeção de valorização da ação é de aproximadamente 30% – a maior entre as empresas do setor. A receita líquida deve chegar a R$ 1 bilhão em 2016. A rentabilidade é um dos destaques financeiros que devem continuar em alta, principalmente com a entrada dos cursos de ensino a distância, que é uma das principais fontes de receita e a mais importante plataforma de expansão para as redes de ensino privado. Nestes últimos dez anos, o Ser escolheu o crescimento via aulas presenciais.

Com a autorização para a abertura de 18 cursos a distância em seis Estados, o grupo educacional pode acrescentar mais 36 mil alunos aos atuais 113,5 mil atendidos. Mais velho de seis irmãos, Janguiê é casado há 25 anos com Sandra, com quem tem três filhos. Torcedor do Santa Cruz, clube que está na série B do Campeonato Brasileiro, não tem o hábito de frequentar estádios – exceção para esta Copa do Mundo e os jogos da Seleção Brasileira, que ele tem acompanhado in loco. Sua paixão são os livros – está finalizando a produção do 14º.

Por isso, fez questão de ajudar todos a terem formação superior. Na família há advogados, engenheiro, enfermeiro, administrador e bacharel em sistema da informação. Um sobrinho está estudando medicina e vai, por tabela, realizar o sonho de juventude do tio. O pai, João, um agricultor semianalfabeto, apoiou todos os passos do filho, que viu na educação a melhor saída para ajudar a si e ao País. “Meu pai, mesmo sendo um homem de poucas letras, sempre me ensinou que só com dedicação ao trabalho é possível ser grande”, diz Janguiê, que já provou ao patriarca ter aprendido bem a lição.

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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