De engraxate a dono do maior grupo de educação do Nordeste

De engraxate a dono do maior grupo de educação do Nordeste

Por: Janguiê Diniz
07 de Mar de 2016

Quem conhece Janguiê Diniz hoje é apresentado ao empresário que fundou o maior grupo de educação do Nordeste. Quem o vê nessa posição pode não imaginar como sua trajetória começou. Não que ele tenha vergonha de falar sobre seu passado – longe disso.

Janguiê ganhou seus primeiros trocados aos 8 anos como engraxate. Apesar de ter nascido em uma família simples e ter trabalhado desde então, seus pais sempre o incentivaram a manter os estudos. Por isso, quando completou o ensino fundamental na cidade de Pimenta Bueno, em Rondônia, ele juntou suas coisas e se mudou para a casa de um tio em Recife. Fez o colegial, entrou na faculdade de direito e passou em um concurso para juiz. Percebendo a falta de uma boa escola para concursos em Recife, abriu em 1996 seu primeiro empreendimento na área de educação.

O grupo Ser Educacional foi fundado em 2003. Desde então, se expandiu para as maiores cidades do Norte e do Nordeste. Em 2013, abriu capital na bolsa de valores. No final do ano passado, o grupo finalmente chegou ao Sudeste, com a aquisição da Universidade de Guarulhos.

Na entrevista a seguir, Janguiê fala sobre tudo que fez para chegar onde está, as características que considera fundamentais em um empreendedor e questões polêmicas da educação no Brasil, como a qualidade das faculdades privadas e as recentes mudanças no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) anunciadas pelo governo federal.

Você tem uma trajetória de vida muito interessante que precedeu a fundação do Ser Educacional. Pode contar um pouco sobre ela?
Pois é, essa minha trajetória de vida rendeu até um livro que eu escrevi, o Transformando Sonhos em Realidade, onde eu conto minha trajetória desde que eu era engraxate até a chegada do grupo à bolsa de valores. Eu já fiz de tudo. Comecei como engraxate aos 8 anos, depois trabalhei como vendedor de laranja e depois de picolé, quando morava no Mato Grosso. Depois, aos 10 anos, meu pai precisou se mudar para Pimenta Bueno, em Rondônia. Dos 10 aos 14 anos trabalhei em bar, lanchonete, loja de roupa, fui office boy de um escritório de contabilidade e locutor infantil. Eu terminei o primeiro grau lá em Rondônia, mas não tinha escola para fazer o segundo grau. Aí peguei minha mala e voltei para o Nordeste. Sabia que tinha uns tios que podiam me ajudar, e foi aí que “comecei minha vida”.

E apesar de o senhor já ter feito tantas coisas, tinha essa preocupação de estudar? Porque não é fácil sair de casa com 14 anos, né?
Duas coisas me impulsionaram. Uma é que eu sempre gostei de estudar. Meus pais não estudaram nem tiveram oportunidade, então eu queria fugir daquele status quo, da vida iletrada, da pobreza. Além disso, meus próprios pais, apesar de não terem estudado, sempre incentivaram os filhos e fizeram a gente criar gosto pelo estudo. Eles não queriam que a gente tivesse a vida que eles tiveram. Tanto é que os sete filhos se formaram.

E depois disso o senhor acabou estudando muito.
É, eu me formei em Direito (UFPE), Letras (Unicap) e fiz mestrado e doutorado. Costumo dizer que educação é a forma mais fácil de mobilidade social. Foi através da educação, através do estudo durante muito tempo – até hoje eu estudo bastante – que eu consegui construir algo. Tem gente que diz que através do empreendedorismo você consegue chegar à prosperidade. Eu digo que através do empreendedorismo ou da educação. E se você conseguir juntar as duas coisas, fica mais fácil. Sempre vi a educação como fonte para construir o sucesso na minha vida e também empreendi.

E o que aconteceu depois que o senhor foi para Recife?
Comecei a trabalhar com meu tio no escritório de advocacia. Eu queria ser médico, mas mudei de ideia porque gostei de direito. Passei no vestibular na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fui um dos primeiros colocados na época. Nesse período, trabalhava de dia e estudava à noite. Também fiz Letras. Quando me formei em Direito, montei meu primeiro empreendimento formal, que foi uma empresa de cobranças. Não deu certo e resolvi empreender na área de educação. Nessa época, eu tinha começado a estudar para a magistratura. Só que não tinha em Recife cursinho para concurso. Tá, até tinha um ou dois, mas muito ruins. Aí pensei que se passasse no concurso eu criaria um cursinho. Passei em 1992. Fui juiz até o ano seguinte, mas depois pedi exoneração, porque teria que continuar a morar no interior. Como queria empreender, não dava. Depois disso, fiz outro concurso para procurador no Ministério Público do Trabalho, que garantia que eu ficaria na capital [Recife]. Assim que assumi, fundei o Bureau Jurídico [cursinho voltado para quem queria passar em concursos jurídicos]. Formalmente, a empresa nasceu em 1996, mas dois anos antes eu já dava aula sozinho. Cheguei a ter milhares de aluno e o Bureau foi o embrião do grupo Ser Educacional.

Toda essa trajetória criou um diferencial para você empreender?
Acho que além de eu ter o tino empreendedor, eu aprendi muito na rua, quando criança. Perdi o medo, aprendi a me relacionar com as pessoas, a ser mais corajoso, mais ousado, aprendi a negociar muito mais rápido, muito mais cedo, aprendi a fazer negócios, a ser um bom vendedor. Essas foram as lições que eu aprendi desde jovem e depois usei no negócio juntamente com o estudo. Muita gente pergunta qual é o segredo de sucesso do grupo Ser, mas não tem segredo. É a união de pequenas coisas.

O senhor não largou tudo para empreender, continuou sendo funcionário público. Por quê? Estabilidade financeira?
Sim, o cargo me proporcionou estabilidade financeira, mas eu também gostava muito de atuar [como promotor]. Como membro do Ministério Público, eu podia ser sócio de qualquer empresa, mas não gestor. Tanto que meu irmão Jânyo está comigo desde o inicio como CEO. Ele é o gestor. Mas eu tinha que estar dando ideia, dando aulas … Acabei pedindo demissão. Primeiro do emprego que tinha na UFPE, há quatro anos. Não dava mais para dar três dias de aula por semana. E também pedi exoneração da procuradoria. Apesar de eu nunca ter faltado a uma sessão e não ter atrasado nada, começou a ficar incompatível. Eu comecei a viajar muito. [Janguiê pediu exoneração do MPT em agosto de 2013, algumas semanas depois de o Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público o acusar de improbidade administrativa por acumular atividades de procurador e empresário, o que, segundo ele, não estava fora da lei].

E como é trabalhar com seu irmão?
Jânyo é um gestor excepcional. Ele é formado em engenharia, tem especialização na área de gestão. Quando eu tive a ideia de fundar a primeira faculdade do grupo Ser, ele era diretor de produção de uma fábrica. Resolvi convidá-lo e ele implementou desde o início uma cultura de fábrica em uma empresa educacional. Foi nosso grande diferencial. Ele foi imprescindível no crescimento do grupo. A gente se dá muito bem, é uma convivência que vai durar muito tempo.

O que essa cultura de fábrica significa?
Eu não sou da área de gestão, mas ele trouxe aquele sistema com controle rígido de custos, centralização, marketing agressivo, controle de qualidade. Ele implementou processos. Isso fez com que o grupo crescesse com a qualidade que a sociedade exige e com a lucratividade que a empresa precisa. Uniu o útil ao agradável.

Quando o senhor fundou o grupo em 2003, tinha vontade de fazer algo na área de educação ou já vislumbrava o crescimento do setor?
Não, eu não sou vidente. Já tinha o Bureau Jurídico e queria criar uma grande universidade, uma universidade de qualidade em Recife. A partir do momento que passei a ficar mais em Brasília e a conviver com grupos de ensino superior, eu comecei a ver que alguns estavam fazendo um movimento para entrar na bolsa, como a Anhanguera. Comecei a observar. Eu aprendo muito com os outros. Eu não invento a roda, quem inventa a roda é o cientista, eu costumo transformar a roda em algo. Eu vi que aqueles movimentos poderiam dar em algo e comecei a me preparar para fazer [um IPO] também. Com as minhas reuniões em Brasilia, enxerguei a necessidade da educação superior no Brasil. A gente tem apenas cerca de 15% da população de 18 a 24 anos na universidade. Se 85% estão fora, a demanda existe. O problema é que essa população não pode pagar, daí a necessidade de programas sociais como o Fies, o Prouni.

Falando em Fies…
Já que toquei nesse assunto, a gente há três anos vinha crescendo de 20% a 30% sem o Fies. Você pode perguntar se o Fies vai abalar a gente.

E vai?
Não, o Fies vai diminuir um pouco o nosso crescimento, uns 10%, mas a gente vai continuar crescendo. Cerca de 35% dos nossos alunos têm Fies. Os antigos continuam e os novos
a gente vai ter que se readequar ao sistema. Vamos reduzir para ficar com de 20% a 25% dos alunos com programa de governo. Já criamos novas linhas de financiamento, já restauramos a linha particular do nosso grupo, já fizemos parceria com Ideal Invest para oferecer. Então, teve essa crise agora, mas nós somos superadores da adversidades. Vamos continuar crescendo, não como era antes, mas como a gente sempre fez sem o Fies.

Mas a decisão de ter uma nota mínima (450 pontos no Enem) para admitir os estudantes no Fies não é interessante?
A gente tem que analisar sob vários ângulos. Eu vejo isso como ilegal, é discriminatório. Financiamento não é bolsa, todo cidadão brasileiro tem direito a financiamento. A qualidade do aluno básico é responsabilidade do governo. Agora, mesmo abstraindo essas questões da legalidade, o que aconteceu é uma falta de transparência por parte do poder público. Se você quer criar uma nota limite, tem que avisar os jovens ‘olha, daqui a um ano você se prepare, você só vai poder ter financiamento se tiver uma nota tal’. Aí o cara iria se preparar. Não pode pegar os jovens despreparados. Ninguém pode mudar a regra do jogo nos 25 minutos do primeiro tempo. Pode mudar, mas tem que avisar antes, para que o empresário e o aluno se preparem. O que veio de gente chorando aqui … E tive que responder que não sou eu que arrumo crédito, é o governo. Eu posso arrumar um crédito particular. Houve pessoas chorando, fila no Brasil inteiro, isso é uma falta de respeito com os jovens. Do ponto de vista das instituições, elas se prepararam, construíram sala de aula, prédios, contrataram professores. Só que isso foi avisado no dia 28 de dezembro, quando já estava todo mundo contratado. Veja que absurdo: 28 de dezembro, todo mundo de férias em casa para curtir o Ano Novo, e soltam um negocio desses. São coisas que acontecem num país como o nosso e a gente fica muito decepcionado.

A responsabilidade do ensino básico é do governo. Existe uma discussão, porque como não há qualidade no básico, os alunos chegam à faculdade tendo que aprender matérias elementares. Você sente que isso é um problema?
Sim. Além do curso padrão, a gente tem que dar aula de reforço para o curso de engenharia, por exemplo. Porque os alunos vieram lá de baixo, sem aprender. Os alunos dos bons colégios privados aprendem, mas a maiora vai para faculdades públicas, porque passa no vestibular. Esse é outro sistema errado: o princípio da gratuidade do ensino público superior. Cerca de 88% dos alunos das universidades federais são filhos de pessoas que podem pagar. Mas o governo permite que os alunos que podem pagar estejam nas instituições públicas e aqueles que não podem pagar vão para as instituições privadas, porque não conseguiram passar no vestibular. A gente tem que mudar muito esse nosso sistema.

Então, precisa ser montada uma estrutura para nivelar os alunos?
É, em vários cursos a gente faz nivelamento. Isso é um deficit decorrente do ensino básico que não tem nada a ver conosco.s

Com o número de faculdades privadas crescendo, vocês sentem falta de professores qualificados para os cursos?
Ainda não. Estamos nas grandes cidades, nas capitais, como Recife e Salvador, que são celeiros de professores. Em cidades onde há uma universidade federal, você tem muito professor titulado. No interior, só temos unidade em cidade grande como Caruaru. Se montar em Cabobró, aí sim, você vai ter dificuldade, vai ter que mandar professor.

Como o senhor vê a educação no Brasil?
A educação no Brasil ainda é capenga, mas já melhorou muito. O orçamento aumentou, mas acho que o ensino básico tem que melhorar muito. Há recursos, mas eles são mal aplicados. Não chegam a seu destino corretamente. Melhorar a escolaridade inclui coisas como o tempo que o aluno passa na escola. É preciso qualificar mais os professores e melhorar a questão do salário. Do ponto de vista do ensino superior, estamos muito aquém dos outros países. Tanto do ponto de vista da quantidade quanto da qualidade. Mas a intenção do governo nessa área é boa. Programas sociais como Prouni, Fies e Pronatec são bons. O motor do país é a educação, só que ela vai mal no Brasil.

Faculdade privada no Brasil tem fama de ser de segunda categoria. Como vocês lidam com isso?
Isso é uma falácia. Nos grandes grupos, atualmente o nível de qualidade é similar ao das universidades federais, com média de 3 e 4 [numa escala de 0 a 5]. Poucas universidades no brasil têm nota 5. O que o povo não sabe é que o que difere universidades federais das privadas é o nível do aluno. Enquanto nas federais os melhores estão lá, os de nível mais baixo estão nas nossas instituições. Você conta nos dedos as faculdades privadas que têm bons alunos como FGV e Insper. Mas os laboratórios das faculdades privadas, por exemplo, são melhores que nas públicas. Nós temos em todas as salas datashow, ar condicionado, temos infraestrutura e até professores que são os mesmo das universidade públicas. Mas a gente não tem o aluno e a diferença está somente nisso. Só que para mudar isso é preciso mudar todo o sistema de ensino.

Essa desaceleração na economia já afeta vocês ou por enquanto não?
Veja bem, essa desaceleração vai afetar todos os negócios. Mas, na área de educação, quando a sociedade entra em crise, quando o emprego passar a ser dificil, as pessoas procuram se qualificar. Eu acho que do ponto de vista do grupo Ser e dos grupos educacionais não vamos ter tanta dificuldade.

Vocês compraram a Universidade de Guarulhos em dezembro e o Centro Universitário Bennet, no Rio, em março. Por que vocês decidiram vir para o sudeste e como isso está afetando o grupo?
O nosso objetivo era Norte e Nordeste, mas como já estamos em todas as grandes cidades – e naquelas onde não estamos já estamos investindo – chegou a hora de a gente sair e ser uma empresa nacional. Com certeza, agora vamos para o Brasil inteiro, onde houver oportunidade nós vamos estar também.

E quando o grupo adquire uma faculdade como a UnG, como é o processo de integração?
A gente uniformiza tanto o sistema de gestão como o acadêmico. A Unama (Amazonas) a gente conseguiu integrar em 3 meses. Os novos alunos que entram depois da gente já entram com currículo unificado. A gente leva de 3 a 6 meses, dependendo do tamanho da aquisição, para fazer a integração.

Como o IPO ajudou o grupo a crescer?
Com os recursos que captamos a gente comprou a UnG, outras pequenas, a Fase, o Bennet. Foi um dinheiro que veio para a gente poder crescer sem ter que se endividar.

O que é mais importante para um empreendedor: estudo, experiência ou os dois?
A primeira característica do empreendedor de sucesso é sonhar. E correr atrás. Transformar esse sonho em projeto de vida e traçar metas para cumpri-lo. A segunda é você ter coragem. Além disso, é importante angariar informações sobre o empreendimento, sobre concorrentes e sobre o negócio. Sempre digo a meus filhos que para você ter certeza de que vai dar certo, tem que fazer o dobro do necessário. Tem que trabalhar muito, tem que renunciar a várias coisas. Ninguém tem sucesso se ficar sentado na praia esperando. Eu, por exemplo, quando fui estudar para o concurso para juiz, tinha uma meta de estudar por 2 anos, 6 horas todos os dias, incluindo sábado, domingo e feriado. Quando ficava doente, eu pagava as horas no dia seguinte. Mas de nada adianta você suar a camisa se não tem um projeto, se não buscou informação sobre o assunto. Sorte eu defino como a conjugação de muito trabalho, competência e não desperdiçar oportunidade. Quando o cavalo passa na frente, você tem que pular em cima, ousar e arriscar, mesmo que caia.

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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