Pernambuco teve, recentemente, a honra de formar o primeiro índio odontólogo do Nordeste. O responsável pela façanha, o jovem pankararu Eudes José da Silva Fonseca, hoje com 23 anos, não esconde que foi a duras penas que conseguiu permanecer nas duas universidades privadas onde estudou, em Tocantins e Alagoas, até dezembro passado. Os esforços valeram a pena e o diploma fez de Eudes mais que um orgulho para os pais — dois agricultores que se dedicaram a extrair da terra, além do próprio sustento, parte dos recursos empregados no cUsteio dos cinco anos de estudo do filho.
O pioneirismo do pankararu o torna um exemplo de superação para outros índios. Mais ainda, serve como estímulo àqueles que algum dia desejaram trilhar caminho semelhante, mas que adiaram esse sonho por falta de oportunidades. Certamente, o odontólogo não foi o primeiro da tribo a perseguir uma formação superior. Sem dúvida, o esforço e a determinação do jovem merecem ser reconhecidos, porém, há outro lado dessa conquista que não pode passar despercebido. Por que razão tantos outros índios ficaram pelo meio do caminho? Comemoremos a vitória de Eudes, mas sem esquecer que "um" ainda é pouco.
Os números não escondem os empecilhos impostos ao acesso da população indígena à educação superior. Em Pernambuco, onde há 36,4 mil indígenas, menos de cem estão matriculados em instituições de ensino superior, segundo dados da Fundação Nacional do índio (Funai). Três fazem curso na Universidade de Brasília (UnB) e outros três estudam em universidades de Cuba. Ainda segundo os dados da Funai, a salvação para os índios que batalham por chances mais justas de ingresso na universidade está no ensino superior privado. Em Pernambuco, 65 são bolsistas em faculdades particulares.
As instituições privadas constituem uma importante alternativa para a ampliação do acesso dos índios à universidade. Sem condições de disputar uma vaga nas universidades públicas, pois a educação Indígena ainda é deficiente e as escolas existentes nas tribos não estão voltadas à preparação do aluno para o concorrido vestibular, as faculdades particulares terminam por suprir essa lacuna. Outro aliado para a inclusão educacional dos índios é o Programa Universidade para Todos (ProUni), do Governo Federal, que oferece vagas para estudantes carentes em instituições privadas, em troca de isenção de impostos.
O financiamento dos estudos revelase um caminho viável à ampliação das chances de ingresso de índios na educação superior. No caso de Eudes, vale ressaltar que a permanência nas duas universidades privadas somente foi possível com o apoio do Governo Federal, que custeou metade de seus estudos. Com esforço, a família do rapaz conseguiu financiar o restante. Muitos, porém, sequer possuem condições de arcar com um terço do valor das mensalidades. São esses excluídos da educação superior — maioria absoluta, ressalte-se — que reforçam a necessidade de uma atenção especial para o povo indígena.
E importante frisar que, por meio do incentivo à inclusão dos índios na educação superior, o Governo não cumpre apenas um papel social. Embora esse argumento já fosse suficiente para sustentar iniciativas nesse sentido, há outros cujo alcance é ainda maior. Tendo em vista que a graduação é a porta de entrada para o mundo acadêmico, entrar na universidade é o ponto de partida para a imersão no universo da pesquisa. E todos sabemos o quanto a pesquisa é capaz de conduzir uma nação ao desenvolvimento, na medida em que fomenta a competitividade do setor produtivo e fortalece a educação.
O envolvimento dos índios em atividades de pesquisa apresenta uma singularidade em relação aos estudos sem a participação de pesquisadores da comunidade indígena. Esses cientistas, nascidos e criados em meio às tradições indígenas, distinguem-se pela possibilidade de agregar ao estudo científico conhecimentos até então confinados à vida nas tribos.
São saberes relacionados a áreas diversas, da medicina à lingüística. Nessa área, vem de Pernambuco uma importante contribuição. Maria das Dores Oliveira, professora universitária e índia pankararu, defendeu, em 2006, tese sobre a língua indígena ofayé, falada por apenas onze integrantes da comunidade de mesmo nome.
Curiosamente, a professora e o primeiro índio odontólogo do Nordeste são primos, mas a relação entre os dois vai além dos laços de parentesco. Como Eudes, Maria das Dores traz no currículo um título importante: é a primeira índia doutora do Brasil. Ele é a prova de que a determinação supera barreiras. Ela, de que não se deve impor limites aos sonhos. Os dois comprovam que o investimento na educação superior indígena, além de resgatar a cidadania de um povo por anos oprimido e até hoje vítima de discriminação, rende resultados concretos. E preciso que o governo acorde para essa realidade, pelo bem dos índios e de toda a Nação brasileira.
Transformando
Sonhos em Realidade
Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.