"Embora detenha maior escolaridade, o sexo feminino ainda leva desvantagem na disputa por uma chance no mercado de trabalho."
Um século e meio se passou e o episódio trágico que inseriu no calendário mundial uma data dedicada à luta de mulheres trabalhadoras, mais do que nunca, merece ser recordado. Todavia, não como simples lembrança de um fato histórico. A morte de operárias norte-americanas enquanto reivindicavam condições dignas de trabalho, no dia 8 de março de 1857, hoje assinalado como Dia Internacional da Mulher, deve ser tratada como objeto de reflexão. Se, ao longo desses 150 anos, a mulher mostrou não merecer o rótulo de sexo frágil que lhe foi atribuído, a luta pela garantia de seus direitos persiste.
As conquistas obtidas pelo sexo feminino foram muitas. Suas representantes, gradativamente, foram despindo-se das indumentárias de dona-de-casa para batalhar por oportunidades mais justas no mercado de trabalho. Passaram também a investir mais na educação, qualificando-se profissionalmente. O resultado é que elas, agora, têm obtido mais sucesso que os homens ao longo da trajetória do ensino superior: 62% dos concluintes são do sexo feminino, segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Ministério da Educação (MEC), realizada a partir de dados do Censo da Educação Superior 2005.
São as mulheres, também, que mais se inscrevem nos processos seletivos para os cursos de graduação, concentrando 55% das inscrições. Nos campi, a presença feminina é de quase 55,9% do total das cerca de 4,5 milhões registradas em 2005, enquanto na sociedade brasileira as mulheres representam 51 ,3 0/o da população. Os números do MEC são otimistas. Revelariam uma reviravolta feminina, após décadas de repressão? Apenas em parte. E incontestável que as mulheres avançaram no combate à desigualdade, mas esse progresso ainda é tímido se balizado pelo que ainda se tem a percorrer.
Embora detenha maior escolaridade, o sexo feminino ainda leva desvantagem na disputa por uma chance no mercado de trabalho. Segundo pesquisa divulgada recentemente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2006, 179 mil mulheres estavam desempregadas, 52,8% do número total de trabalhadores sem ocupação na região — que era de 339 mil pessoas. Os números contrastam com os fornecidos pelo MEC sobre a participação feminina no ensino superior. Prova inconteste de que a discriminação continua.
E não para por aí. Segundo a mesma pesquisa, quando não são atingidas pelo desemprego, as mulheres ocupam funções mais vulneráveis — sem direitos trabalhistas e proteção social, como licença-maternidade, auxílio-doença, seguro-desemprego e aposentadoria — e chegam aos cargos de chefia com rendimento menor que o dos homens. As estatísticas apontam que 50% das mulheres trabalham em condições precárias e têm renda média de R$ 510 enquanto os homens ganham R$ 714 — uma diferença salarial de R$ 204. Um anacronismo em pleno século XXI.
Diante do cenário, as lições de 1857 mostram-se mais atuais do que se poderia imaginar. O preconceito contra a mulher, que no século XIX culminou com a morte de trabalhadoras nos Estados Unidos, persiste — embora camuflado por uma falsa ideia de evolução social. Mas a constatação dessa realidade não invalida os avanços conquistados, com esforço e determinação, pelo sexo feminino — como o investimento crescente na educação e na qualificação profissional. Ao contrário, deve servir de estímulo para uma mobilização política mais firme e de maior alcance em defesa dos direitos das mulheres.
JOSÉ JANGUIÊ BEZERRA DINIZ é Doutor em Direito, Diretor-Geral da Faculdade Maurício de Nassau,Presidente da Abrafi.