O efeito do contrato de trabalho celebrado com a administração pública, edição nº 508

Por: Janguiê Diniz
19 de Jun de 1994

— CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nosso escopo neste trabalho a tentar mostrar, como numa leitura de cego, que a despeito de ser o trabalhador hipossuficiente, e de ter despendido suas energias através do trabalho exercido, ap6s a promulgação da Lex Fundamentalis de 1988 os contratos de trabalho celebrados entre eles e as entidades de Administração pública direta, indireta e fundacional da União, Estados e Municípios, sem o requisito impreterível do concurso público° exigido no art. 37, inciso II, da Lex Legum não geram nenhum efeito, e consequentemente são nulos pleno jure. E que o que está em jogo é o interesse que sempre deve prevalecer sobre o particular.
SISTEMAS INFRACONSTITUCIONAIS.
Pode-se defini-la como o COMPLEMENTO NORMATIVO SUPERIOR DE DETERMINADO SISTEMA JURÍDICO ESTATAL, SENDO, portanto, o último fundamento e critério positivo vigente de pertinência e validade das demais normas integrantes deste sistema". Dal por que se denomina ela norma de supremacia, expelindo outras que a firam.
E o princípio da hierarquia das leis, em que a Magna Carta situa-se no topo da pirâmide jurídica. E, por isso, a norma contrária ao seu texto ou espírito tem-se como nula ou inválida. A lei fundamental de onde derivam os preceitos de ordem pública e privada e a Constituição. Conclui-se, sem sombra de dúvidas, que o pagamento de verbas rescis 6 rias de contratos, celebrados com entidades públicas sem que tenha havido a realização do concurso pÚblico de provas e títulos, quando as entidades reclamadas arguem em sua pep atrial de defesa nulidade de tal contrato, por ter sido feito corn violação ao disposto no art. 37, II, da Carta Suprema, asseverando que o dies a quo do contrato se deu após a vigência da Carta Magna e não tendo havido concurso público.
Nesse espírito, insta perquirir a Administração !Jake (como prevista no art. 37, acima mencionado), pode admitir pessoal sem a realização do concurso público? Na minha opinião, não há outra resposta senão a negativa. O legislador constituinte buscou, através de norma de elevado interesse público, restringir o ingresso de pessoal na Administração pública, algo que vinha sendo usado com fins eleitoreiros sem qualquer respeito ao patrimônio público. A Lei Fundamental, ao estabelecer que o ingresso no serviço público° depende de aprovação em concurso, exclui toda e qualquer outra forma. Neste momento em que o Brasil deve aprender a ser uma democracia alicerçada no Estado de Direito, Born é lembrar a lição do saudoso e completo mestre PONTES DE MIRANDA"), in verbis: "Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende que devam ser cumpridos — o que é pior ``.No momento, sobre a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juízes e intérpretes, a cumpri-la. Só assim saberemos para que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se algum ponto a nada serve, que se corte este pedaço inútil. Se a algum bem público° desserve, que pronto se elimine.
Mas, sem cumprir, nada saberemos. Nada sabemos, nada poderemos fazer que mereça crédito°. NAO CUMPRI-LA E ESTRANGULÁ-LA AO NASCER". E de conhecimento de todos que o cumprimento da Magna Carta é o fundamento da democracia, da dignidade e lisura da Administração pública, e além de tudo dever do cidadão, e uma das características da Constituição a ser limitadora do exercício do poder da autoridade Maria Helena Diniz(2) aborda o tema corn precisao, quando magistra: "E de essencia da Constituicao ser limitadora dos poderes públicos, que não podem agir senão de acordo corn ela. Essa possibilidade de limitação jurídica é mais evidente no regime de Constituição rígida. A Constituição apresenta limites à atividade dos órgãos competentes para elaborar normas. Os elementos limitativos, que se manifestam nas normas atinentes aos direitos democráticos, aos direitos fundamentais, as garantias constitucionais restringem a echo dos poderes estatais e claro a tônica do Estado de Direito". O ápice do ordenamento jurídico° positivo é a Constituição (Hans Kelsen).
Ela integra, ou tenta integrar, no seu bojo, o complexo ditado pelo Poder Constituinte de princípios e normas, a comandar o ordenamento jurídico. Tal característica fez o pernambucano Marcelo Neves, em trabalho magistral intitulado Teoria da inconstitucionalidade das Leis(3) afirmar que: "A Constituição 6 é um sistema normativo prescritivo (...)". "integrante do ordenamento juridico estate!, a Constituição tem supremacia hierárquica sobre os demais subsistemas que compõem o ordenamento,
FUNCIONANDO COMO FUNDAMENTO DE PERTINÊNCIA E CRITÉRIO DE VALIDADE DE SUB- Pois bem!!! Os empregados, quando iniciaram a prestação de trabalho para a Administração !Jubilee, o fizeram através de ato vedado pelo inciso II, do art. 37 da CF 1988, verbis: "Art. 37 — A Administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: — Omissis: A investidura em cargo ou emprego público() depende de aprovação prévia em concurso público° de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e exoneração".
A norma constitucional mencionada dispensa comentários, mesmo sucinto, dada a sua clareza. 0 concurso público é obrigatório para o ingresso na vida !Jake, podendo ter raríssimas exceções previstas no teor da Carta Política (inciso VIII, do art. 37), já regulamentado pela Lei n° 8.745, de 09 de dezembro de 1993, que permite o ingresso de pessoas nos quadros funcionais de entidades da Administração pública sem o requisito do concurso público° para "atender a necessidade temporária de excepcional interesse público", nos casos de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, recenseamentos, admissão de professor substituto e professor visitante, admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro, e atividades especiais nas organizações das Forças Armadas para atender a área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia (arts. 1° e 2° da referida Lei).
Note-se, entretanto, que, mesmo nesses casos, consoante giza o § 1° do art. 3° da Lei, é imprescindível o processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União:".
Ademais, é princípio constitucional que "as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho decidirá sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse publico", conforme bem asseverou o douto Procurador do Ministério Público° do Trabalho, Dr. Nelson Soares da Silva(4), em urna de seus pareceres magistrais. Incompatível com o texto constitucional, a relação laboral não pode prevalecer. Em face disso, urn grande problema exsurge: os demais ramos do Direito aplicariam de imediato o disposto no art. 145, inciso IV, do C6digo Civil, declarando nulo o ato, haja vista que a contratação dos demandantes não obedeceu a forma prescrita em lei, sistema consubstanciado na axiomática parêmia latina actus corruit omissa forma legis, a nulo o ato que omite a forma da lei.
O problema reside no fato de que tal disposição é baseada na teoria de que, nulo o ato, se restabelece o status quo antes, sendo o efeito ex-tunc, retroagindo ao momento da formação do contrato. Todavia, o Direito do Trabalho tem particularidades e, dentre essas, encontra-se a de que não se pode devolver a prestação de serviços despendida pelo obreiro, nem obrigá-lo a devolver os salários já percebidos. 0 Direito do Trabalho a pobre no disciplinamento dessa situação, uma vez que inexistem normas na CLT e legislação extravagante que a regulamentem. Nesse caso, devemos louvar-nos nas disposições previstas no Código Civil, adaptando-as ao Direito laboral. A lição de Délio Maranhão(5), que conhece do assunto ex professo, é no seguinte sentido, ao qual nós filiamos: "Atingindo a nulidade o próprio contrato, segundo os princípios do Direito comum, produziria a dissolução ex-tunc da relação.
A nulidade do contrato, em princípio, retroage ao instante mesmo de sua formação, quod nullum est nullum effectum producit. Como consequência, as partes devem restituir tudo o que receberam, devem voltar ao status quo antes, como se nunca tivessem contratado. Acontece, porém, que o contrato de trabalho 6 é um contrato sucessivo, cuja virtude é um contrato nulo. Assim, não é possível aplicar-se, no caso, o princípio do efeito retroativo da nulidade. Dal por que os salários que já foram pagos não devem ser restituídos, correspondendo, como corresponde, a contraprestação de uma prestação 95o definitivamente realizada".
Doutores, autores da obra, advogam a tese de que o princípio da primazia da realidade e o fato de ter havido boa-fé deve prevalecer em relação aos 95° a decretação da nulidade com efeito ex-tunc. No entanto, apesar de alguns posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários nesse sentido, somos contrários a essa tese, porquanto contraria a norma fundamental contida no art. 37, II, da Constituição Federal, e todos os princípios que a norteiam. Auspicioso realçar, nesse particular, que a jurisprudência dos pretórios superiores já a remansosa e maioral, estando-se transforman- do ern consensus omnium jurisprudencial, sendo oportuno transcrever posicionamentos de alguns de nossos Tribunais do Trabalho, inclusive urn so de seus ramos sem o cotejo de todo o sistema jurídico".
Ora, suplicando a indulgência do douto procurador e escritor, pedimos vênia para frisar que o Direito é uno, mas as normas constitucionais situam-se no topo da pirâmide e, de conseguinte, sac, de maior importância. Por outro lado, ressalta-se o desvio de comportamento funcional das empresas da Administração pública, quando deram causa a tal situação. Poder-se-ia dizer que Ihes faltaria legitimidade para arguir tal nulidade, pois evidentemente haverá um benefício seu, pela própria tepidez (nem in turpitudinem suam profitare debet), fato esse, no mínimo, reprovável. No pertinente a esse ponto, somos concordes. Entrementes, a de toda prudência se encalamistrar que o que está em jogo é o interesse público, que sempre deve prevalecer sobre o interesse particular.
A responsabilidade, entretanto, dos maus administradores das entidades da Administração pública, a matéria que não compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar efeitos, uma vez produzidos, não podem desaparecer retroativamente. Evidentemente, não pode o empregador "devolver" ao entreteni-1., nrctc+nr8n trahalhn ra on alto avari I am do Tribunal Superior do Trabalho, ipsis litteris: "Concurso público°. É nulo o contrato de trabalho celebrado entre trabalhador e órgão público° após 05.10.88 sem a observância dos requisitos traçados no inciso II, do art. 37 da lex fundamentalis de 88" (Proc. TRT RED 338/92 — 1' Turma, em 17.11.92, publicada no DOE de 30.12.92." — Rel'. Juíza Eneida Melo).
Contrato de Trabalho. Admissão no Serviço Público sem Concurso. Nulo o contrato de trabalho face a inobservância do disposto no art. 37, II, da Constituição Federal, não gera qualquer efeito, sendo indevidos os pedidos atinentes ao vínculo mantido entre as partes. Recurso não provido.
(*) 0 autor a mestrando em Direito PÚblico na UFPE, Procurador do Trabalho do Ministério Público da União (ex-Juiz de Carreira do TRT 6e Região), professor de Processo Trabalhista das Faculdades de Direito do Recife (UFPE), de Olinda (FADO) e Processo Civil da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.

 

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

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