1 - OBSERVACÕES PROPEDÊUTICAS
Nessas poucas linhas faremos algumas observacões de transcendental importância sobre o menor trabalhador e a seus direitos protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Refletiremos, embora que em síntese sobre os preceptivos protetivos do menor obreiro, bem como os seus direitos e deveres perante a ordenacão jurídica brasileira. O menor, que na nossa ótica deveria estar nas escolas, na busca do aprendizado para o mundo do amanhã, mas que, infelizmente, se encontra nas fábricas, nos comércios, nas ruas, trabalhando, em muitos casos, até 15 horas por dia, porquanto é sabido e consabido que a criança trabalha não por opção, mas por necessidade, para sobreviver, já que não recebe o sustento de seus pais, ou muitas vezes é obrigada a trabalhar pelos seus próprios pais.
É particularmente triste enfatizar que em conformidade com pesquisa realizada por autor de obras, 19,47% das crianças entre 10 e 14 anos compõem a população economicamente ativa do Brasil. Se com pararmos com outro país, aqui mesmo da América Latina, como a Argentina, que tem 0,1 % , essa constatacão torna-se assustadora. Ademais, é mais triste sublinhar que cerca de 97% das crianças trabalhadoras não possuem vínculo empregatício.
Como forma de ilustrar as considerações, não é exagero afirmar que, a despeito do quadro caótico em que se encontram os menores no Brasil, lege habemus no afã de protegê-los. De notar que, em tempos imemoriais, o Código de Hamurabi, datado de mais de 2.000 anos a.C., já trazia normas em seu bojo, protetivas do menor trabalhador, tanto que doutores frisam ser o primeiro texto legislativo do mundo contendo normas de proteção aos menores.
Aumentando a seara de reflexões, temos que foi a Revolução Industrial, segundo a doutrina dominante, o marco inicial de uma legislação forte, protetora do menor trabalhador, já que esse fenômeno constitui-se no ápice da exploração do trabalho humano.
Transmudando-nos para o Brasil, asseveramos, de forma pesarosa, que outrora o sistema escravo impedia a proteção legal dos menores, que trabalhavam segundo as conveniências de seus senhores. Foi somente com a abolição da escravatura que textos legais protetivos do menor vieram a surgir. Vejamos a evolução legislativa.
Devemos trazer à baila, no particular, que, após a promulgação da Lex Fundamentalis de 1891 foi baixado o Decreto nº 1.313/1 891 , que trazia em seu seio normas visando proteger o menor obreiro, mas que, entretanto, jamais foi regulamentado, ficando dessa forma como mero ato legislativo que aproximou formalmente o Brasil de outras nações que já protegiam o menor trabalhador.
A posteriori, foi promulgado o Decreto n o 17.943A, de 1 2.10.1 927 chamados de Código de Proteção e Assistência aos Menores, que, a despeito de promulgado e publicado, nunca veio a ser cumprido em sua inteireza pela classe patronal.
Seguiu-se a esse decreto o de n o 22.042, de 03.1 1 .31 , baixado pelo Governo de Getúlio Vargas, que fixou em 14 anos a idade mínima para emprego de menores na indústria; daí, então, vários outros surgiram.
As Convenções Internacionais do Trabalho de nº 5 e 6 da OIT foram ratificadas pelo Brasil através do Decreto nº 423/35. Ao depois, criaram-se os Decretos nº 1.238/39 e 6.029/40, que dispõem sobre a instituição de cursos profissionais.
Logo depois foi instituída a Carteira de Trabalho do Menor, pelo Decreto-Lei n o 3.61 6/41.
Agora, a legislação protetiva do menor no Brasil avigorou-se a partir de 1943 com a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas, Decreto-Lei n o 5.452, de OI .05.43, que destinou o Capítulo IV (arts. 402 a 441) à proteção do trabalho do menor.
Nesse diapasão, oportuno asseverar que, a partir da criação da CLT até hoje, extensa legislação foi expedida, em especial a relativa à aprendizagem profissional, sendo de se destacar a recente Lei n o 8.069.
90, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, e que constitui, atualmente, o diploma legal nacional mais completo em matéria de proteção à criança (até 1 2 anos incompletos) e ao adolescente (entre 1 2 e 18 anos de idade), destinando os arts. 60 a 69 ao Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho.
Ao nos referirmos sobre a legislação protetiva do menor obreiro, seria aberração passarmos ao largo, sem qualquer menção às Constituições Federais no concernente a normas de amparo aos menores trabalhadores. A de 1934, 1937, 1946 e de 1967, c/c a Emenda n o 01 /69, todas trouxeram vasto número de normas amparando o menor.
Hoje, é auspicioso ponderarmos, a atual Constituição trata da proteção à infância em diversos preceptivos.
Apenas para ilustrar vejam o art. 60, que versa sobre direito social do menor, o art. 70 , inciso XXX, no qual veda-se a diferença de salários, exercício de funções e critérios por motivo de idade consoante, e o inciso XXXIII, que proíbe o trabalho noturno, perigo só ou insalubre aos menores de 1 8 anos e de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.
"A proteção à infância e à adolescência é também objeto da assistência social consoante o art. 203, incisos I e II da atual Constituição, sendo a formação para o trabalho objetivo do Plano Nacional de Educação (art. 214, IV) destinando, ainda, o Capítulo VII à Criança e ao adolescente (arts. 226 a 231).
Põe de manifesto, é conveniente asseverarmos que a atual Lex Legum também estabelece os "marcos da menoridade relativa".
É menor, para efeitos de proteção trabalhista, aquele que tem entre 14 e 1 8 anos de idade (art. 70 XXXIII).
Por outro lado, a menoridade absoluta é excepcionada quando o menor se encontra na condição de aprendiz, e o próprio preceptivo constitucional restaurou a idade mínima que já era prevista nas Constituições de 34, 37 e 46 e aproximou o Brasil da legislação de outras nações altamente desenvolvidas no relativo à proteção aos menores, seguindo orientações de organismos internacionais.
Ainda sobre o assunto, não poderíamos perder de vista que, no afã de proteger o menor, várias Convenções e Recomendações Internacionais da Organização Internacional do Trabalho foram ratificadas pelo Brasil, passando aquelas normas a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.
2 - A ADMISSÃO DO MENOR NO EMPREGO
É por todos sabido que a atual Carta Política permite ao menor de 14 anos celebrar contrato de emprego. Portanto, sendo o menor de 18 e maior de 14 anos relativamente capaz, necessário se torna a assistência de seu representante legal no ato da admissão, que, de regra, se caracteriza tacitamente, quando se permite que este obtenha sua CT PS no Ministério do Trabalho e a exiba no momento da contratação pela empresa, porquanto é documento obrigatório na admissão de qualquer empregado, consoante se depreende da regra vazada no art. 20, capute § 30 , da CLT.
Agora, também é notória que em algumas pequenas cidades não existe representação do Ministério do Trabalho, órgão encarregado de emitir as CTPS. Com efeito, nesses locais se permite que os menores sejam contratados independentemente desse documento, contanto que haja autorização expressa de seu pai ou do responsável legal.
Ressalte-se, por oportuno, que é proibido o trabalho de menores em locais de regra considerados prejudiciais à sua moralidade, consoante se observa da regra insculpida no art. 406 da CLT; por outro lado, se permite seja objetivado o trabalho nesses locais se houver autorização judicial. Esta autorização também supre o consentimento paterno. Vide art. 70 do Código Civil Brasileiro.
Pondo uma palavra a mais sobre o assunto, convém trazer à liça a lição de Rosemary de Oliveira Pires I que, em analisando o assunto, entende que a "emancipação civil (art. 9 0 do CC) repercute na capacidade do menor para contratar, dispensando a autorização dos pais "embora" tal situação não conduz à capacidade plena do trabalhador, que ainda será considerado menor para os efeitos de aplicação das regras de proteção relativas à sua segurança e integridade físicas, pois sua formação biológica não se completou apenas porque atingiu a maioridade civil"
3 - DURAÇÃO DO TRABALHO DO MENOR
É de bom alvitre encalamistrar-se que todas as restrições de caráter geral sobre a duração do trabalho previstas nos artigos 57 a 75 da Consolidação das Leis Trabalhistas são aplicáveis ao trabalho do menor.
Ad exemplum o "intervalo de repouso após cada período de trabalho efetivo, contínuo ou dividido em dois turnos, não pode ser inferior a 1 1 horas" (CLT, art. 412).
Por outro lado, a "prorrogação da jornada diária é prevista nas restritas hipóteses de compensação e por motivo de força maior" (CLT, art. 413).
No que diz pertinência à compensação, a jornada diária só pode ser aumentada por mais 2 horas, res- peitado o limite máximo da jornada semanal (CLT 413.1). Logo, deflui-se que só é possível a compensação dentro da própria semana ou intra-semanal, nunca em outra semana ou inter-semanal, ambas previstas no inciso XIII do art. 7 0 da CF 2 ou seja, mediante a realizacão de acordo coletivo ou convenção coletiva3.
No caso de forca maior, a jornada diária pode estender-se até o máximo de 12 horas (CLT 41 3 II), com acréscimo salarial de 50% e "desde que o trabalho do menor seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento".
4 - LOCAIS E ATIVIDADES PROIBIDAS AO EXERCÍCIO DO LABOR PELO MENOR
A prima facie encalamistra-se que a proteção ao menor não lhe faculta trabalhar em todos os locais ou em todas as atividades. O escopo maior dessas normas é proteger a sua integridade física, sua saúde e moralidade.
Vejamos, só para argumentar, que aos menores não é permitido o trabalho em locais e serviços noturnos, perigosos ou insalubres, em conformidade com o didatismo inteligente do art. 405, II, da CLT, c/c o art. 70 , inciso XXXIII, da Carta Suprema.
São excepcionados dessa regra os maiores de 16 anos e os estagiários de cursos de aprendizagem, mas somente após prévia vistoria do local por autoridade competente e desde que haja aprovação dessa autoridade. Outra exigência é que os menores sejam sub metidos a exame médico semestral (CLT, art. 405, § 10) .
Traz-se à baila que estudiosos do assunto como Oliveira Pires4 advoga ser "possível a extensão da exceção aos estudantes estagiários regidos pela Lei n o 6.494, de 07.1 2.77, regulamentada pelo Decreto n o 87.497, de 1 8.08.82" pela similitude das situações e em face de previsão legal a respeito. Acrescenta a citada autora que "O estágio, apesar de não criar vínculo empregatício do estudante com a empresa contratante, tem objetivo profissionalizante e, cumprida as exigências de ordem pública, não há razão para se privar os estagiários do treino prático nesses locais". Pessoalmente, permitimo-nos somar ao magistério dessa autora, pela coerência de seus pontos de vista.
Em recrudescendo a seara de considerações, enfatize-se que também é proibido o trabalho do menor "em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade, consoante o albergue do art. 405, inciso II, da CLT.
Frisamos ser considerado prejudicial à moralidade do menor o trabalho "prestado de qualquer modo em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, caba rés, dancings e estabelecimentos análogos"; da mesma forma, vislumbra a CLT através do art. 405, § 3 0 , letras a e b, ser prejudicial o trabalho em empresas circenses, nas funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras atividades semelhantes".
Apenas com autorização judicial se permite ao menor trabalhar nesses locais, ex-vi do art. 406 consolidado.
Outrossim, a legislação protetora consagrada no código de ritos, art. 405, § 3 0 , letras c e d da CLT, considera prejudicial o trabalho do menor "de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral" bem como o trabalho "consistente na venda a varejo de bebidas alcoólicas".
Permite-se, todavia, que o menor trabalhe nas ruas, praças e outros logradouros, desde que a ocupação seja indispensável à sua própria subsistência ou à de seus familiares, contanto que não advenha prejuízo à sua formação moral e mediante autorização judicial (CLT, 405, § 20).
Demais disso, lhe é permitido laborar nas localidades em que existirem instituições destinadas ao amparo dos menores jornaleiros, desde que oficialmente reconhecidas (CLT, 405, § 40).
Demais disso, lhe é permitido laborar nas localidades em que existirem instituições destinadas ao amparo dos menores jornaleiros, desde que oficialmente reconhecidas (CLT, 405, § 40).
Além das proibições já analisadas, existem outros locais em que não se tolera o labor do menor, como no subsolo, o qual só pode ser exercido por homens com idade entre 21 e 50 anos (CLT, 301 no ramo da construção civil, em fundações, andaimes externos e internos de grande altura, bem como em serviços que exijam considerável forca muscular, em obediência à Portaria do Ministério do Trabalho de n o 43, de 17.11.54.
Ainda sobre o assunto, não é exagero afirmar que algumas profissões trazem restrições ao labor do menor. Ilustrativamente, citamos a profissão de atleta profissional de futebol. A Lei nº 6.354, de 02.09.76, que norteia a atividade, proíbe a celebração do contrato aos menores de 16 anos.
Apenas aos menores de 21 e menores de 1 6 anos se permite a celebração de contrato de trabalho, desde que haja expresso consentimento de seus representantes legais. De asseverar, no contexto, que se este já tiver completado 1 8 anos, a inexistência de um representante legal pode ser substituída por autorização judicial.
Ainda ilustrativamente, o art. 30 da Lei n o 6.224, de 14.07.75, "proíbe o exercício da profissão de propagandista e vendedor de produtos farmacêuticos ao menor de 18 anos".
Por outro turno, o art. 29 do Decreto n o 1 .232, de 22.06.62, regulamentador da profissão de aeroviário, proíbe ao menor o trabalho em atividades perigosas e insalubres. Os arts. 33 e 34 do mesmo decreto proíbem o trabalho noturno e a prorrogação da sua duração normal a menores de 1 8 anos. Por fim, o art. 35 do mesmo diploma exige que a empresa conceda aos menores tempo necessário para a frequência às aulas.
Para por dies ad quem ao item, acrescente-se que "ao responsável legal do menor é facultado pleitear a extinção do contrato de trabalho, desde que o serviço possa acarretar para ele (menor) prejuízos de ordem física ou moral"(CLT, art. 408).
5 - O TRABALHADOR MENOR E AS FÉRIAS
No pertinente às férias, o menor goza de tratamento especial. O art. 134, § 20, da CLT, estabelece que não é permitido fracioná-las, além de que tem o menor, empregado estudante, direito a fazê-las coincidirem com suas férias escolares (CLT, art. 136, § 20).
6 - NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO E PRESCRICÃO
No que atine à nulidade, é cediço que, embora nulo o contrato de trabalho, este produz efeitos jurídicos, posto não se admitir possa o empregador beneficiar-se de sua própria ignomínia, eximindo-se do pagamento dos salários àquele que despendeu suas forças.
Não temos o mesmo ponto de vista em se tratando de empregados, menores ou adultos, contratados por pessoas jurídicas de direito público, sem concurso público, após a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1 988, vez que, aí, advogamos a tese da nulidade contratual com efeito ex tunc, por se tratar de preterição de formalidade constitucionalmente exigida. O assunto já foi objeto de trabalho publicado em revistas jurídicas de âmbito nacional, motivo pelo qual remetemos o leitor àquelas publicacões.
Em relação ao menor, por estarem em jogo dois interesses privados, deve-se proteger o mais fraco, que é o do menor, diferentemente do contrato celebrado com a Administração Pública. Noutro falar, são devidos os salários ao menor absolutamente incapaz, pelo trabalho realizado.
No que concerne à prescrição, o art. 440 da CLT veda a contagem do prazo prescricional a menores de 18 anos, aumentando a proteção que lhes é dada pelo Código Civil através do art. 5, c/c art. 1 69,1.
Entrementes, não há consensus omnium jurisprudencia/ nem communis opinium doctorum acerca da extensão da regra do art. 440 a herdeiro também menor do empregado menor já falecido.
Uma corrente se orienta no sentido de que o art. 440 só se aplica ao menor trabalhador, e não ao menor sucessor. Outra, à qual nos filiamos, estende a regra tanto ao menor trabalhador como ao menor herdeiro.
É que o art. 440 da CLT, quando trata do assunto, assevera que: "contra os menores..." que pode ser o menor trabalhador ou menor herdeiro do trabalhador, sucessor dos direitos laboratícios daquele.
Revista do Direito Trabalhista
7 - DISSOLUÇÃO CONTRATUAL E QUITAÇÃO DAS VERBAS
É sabido e consabido que é lícito ao menor assinar recibos de pagamento de salários. Por outro lado, no pertinente à rescisão do contrato de trabalho, a quitação só poderá ser feita com a assistência de seu responsável legal, conforme se deflui do conteúdo ínsito no código de ritos, art. 439, da CLT.
Com efeito, no particular concordamos com Délio Maranhão é quando, em se referindo à rescisão sem assistência do responsável legal, enfatiza que o assunto deve ser tratado em sintonia com a regra do art. 936 do Código Civil, que assim se expressa: "não vale o pagamento feito ao credor incapaz de quitar, se o devedor não provar que um benefício dele efetivamente reverteu"
Arrematando: na rescisão contratual do menor, sem a presença do seu representante legal, se o empregador não provar que o pagamento realmente foi revertido em seu favor, será obrigado a repetir o pagamento.
Para pôr algumas palavras a mais sobre a vexata quaestio, não devemos passar ao largo sem fazer breve alusão a outras formas de dissolução do contrato de trabalho do menor, além daquelas que já são comuns e notórias. A dissolução ou extinção pode caracterizar-se por outras causas, tais como:
1) pelo empregador, indiretamente, quando não adotadas as medidas indicadas pela autoridade competente (CLT, art. 407, § único).
2) pela autoridade competente, quando entender que o serviço é prejudicial à saúde, desenvolvimento físico e moral do menor (art. 407, caput) 8.
3) pelo responsável legal, como dever, ocorrendo a possibilidade de prejuízo à saúde e moralidade do menor (arts. 408 e 424 da CLT) 9
Temos que, em face aos últimos dois casos, em não sendo comprovada a participação danosa do empregador, extinguir-se-á o contrato em indenizacão, por não haver culpa do patrão.
9 - O MENOR E O CONTRATO DE APRENDIZAGEM
A prima facie, cumpre frisar que o inciso XXXIII do art. 7 0 , da Lex Fundamentalis de 1 988, assim se expressa: "proibicão de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer traba lho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz" (grifamos).
À luz do disposto ut supra, em procedendo a exegese ancilar, deflui-se que a aprendizagem profis sional ganhou relevo a partir da Constituicão Federal de 1988.
Sobre o contrato de aprendizagem, a definição encontra-se manifestada no bojo do Decreto no 31.546, de 06.10.52, que propugna: "Considera-se de aprendizagem o contrato individual de trabalho realizado entre empregador e um trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos, pelo qual, além das características mencionadas no art. 30 da Consolidacão das Leis do Trabalho, aquele se obriga a submeter o empregado à formação profissional metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício foi admitido, e o menor assu me o compromisso de seguir o respectivo regime de aprendizagem".
Como visto pelo conceito tracado no Decreto, o contrato de aprendizagem apresenta-se como contra to de trabalho, embora contrato de trabalho especial.
Aplicando o quadro de análise, importante ressal tar que, sendo obrigatória ou voluntária a contrata ção, esta traz como exigência especial o compromis so do empregador de submeter o empregado à forma ção profissional metódica do ofício ou ocupação, e o empregado, por sua vez, assume o compromisso de seguir o regime da aprendizagem.
No contexto, é exagero afirmar que não há communis opinium doctorum acerca da natureza jurídica do contrato de aprendizagem.Certos autores estrangeiros, como Paul Durand e André Vitu l 2 , asseveram que esse contrato se aproxima do contrato de educação, eis que não é propósito especial do empregador aproveitar a energia de labor do aprendiz, mas sim prepará-lo tecnicamente para trabalhos futuros.
Por outro lado, certo autores o consideram como sendo um contrato sui generis. Segadas Vianna13, por seu turno, considera esse contrato como sendo um contrato preliminar de trabalho. Cesarino Júnior14 a seu lado, enfatiza ser um "duplo contrato" , pois, "de um lado, da parte do aprendiz, é ministrado com o trabalho que presta a favor do mestre.
E do lado deste, é empreitada, pois, ele, com plena autonomia, se obriga a realizar um trabalho determinado, que é a instrução do aprendiz recebendo como preço o trabalho que o aprendiz é obrigado a prestar-lhe". Acrescenta, ademais, que, por haver o contrato de trabalho e de empreitada, haveria um contrato misto.
Ainda sobre o assunto, de boa política trazer à baila que Antônio Lamarca l 5 sublinha ser a aprendizagem um contrato especial de trabalho.
Digna de menção é a tese defendida por Délio Maranhão, em sendo citado por Rosemary de Oliveira Pires 1 que defende existir aprendizagem obrigatória e voluntária. A obrigatória "é um contrato a termo: extingue-se de pleno direito ao completar o empregado 18 anos, pela conclusão do curso, ou, ainda, atingida a duração máxima". Na voluntária, "a presunção há de ser um contrato por prazo indeterminado, salvo cláusula em contrário".
Estamos que este contrato de trabalho é considerado um contrato especial, porquanto sujeito a regras próprias.
Na seara de análise, importa enfatizar que o art. 429 da CLT trata do contrato de aprendizagem no caso de empresas industriais, que, como dito por Délio, pode ser voluntário ou obrigatório. O Decreto-Lei nº 8.622, de 10.01 .46, trata do contrato de aprendizagem, também obrigatório ou voluntário nas empresas comerciais.
Logo, a efetivacão da aprendizagem, ou formação metódica ex-vi legis, deve ser feita no SENAI (em caso de empresas industriais), SENAC (em caso de empresas comerciais), ou até mesmo em curso administrado por essas instituições reconhecidas (Decreto no 3.546/52, art. 30). Outrossim, consideram-se aprendizes os adolescentes submetidos no próprio emprego à aprendizagem metódica (Decreto n o 31 .546, de 06.10.52, e Portaria nº 127, de 18.1 2.56).
Para ser aprendiz, o art. 431 da CLT, c/c o art. 1 0 do Decreto n o 31 .546, de 06.10.52, exige idade mínima de 14 (quatorze) anos" e máxima de 18, devendo o aprendiz satisfazer, ainda, as seguintes condições: "a) ter concluído o curso primário ou possuir os conhecimentos mínimos essenciais à preparação profissional; b) ter aptidão física e mental, verificada por processo de seleção profissional, para a atividade que pretende exercer; c) não sofrer de moléstia contagiosa e ser vacinado contra a varíola"
Entretanto, auspicioso assinar que, como a Constituição Federal dispõe no artigo 70 , inciso XXXIII, sobre a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho aos menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, certos autores são unânimes em afirmar ser possível a celebração de contrato de aprendizagem aos 1 2 anos completos, com o que não concordamos.
Na tela de análise, têm preferência para admissão, em 10 lugar, os filhos dos empregados, inclusive órfãos, e em 20 lugar, os irmãos de empregados do estabelecimento industrial contratante, consoante preceitua o art. 430 da CLT.
Demais disso, obriga-se o aprendiz a frequentar o curso de aprendizagem, podendo sofrer desconto dos dias em que faltar aos trabalhos escolares sem justi ficativa aceitável, constituindo a falta reiterada justa causa para sua dispensa (CLT, art. 432, c/c art. 8 0 do Decreto-Lei n o 8.622/46).
Põe de manifesto que a legislação faculta seja ao aprendiz atribuído salário inferior ao mínimo. A ele é garantido salário nunca inferior à metade do salário mínimo na primeira metade da duracão máxima do curso, passando a receber 66% ou 2/3 do salário mínimo, pelo menos, na 2 a metade (CLT, art. 80).
Veja, à guisa de ilustração, a Súmula n o 205 do ST F: "Tem direito a salário integral o menor não sujeito à aprendizagem metódica", e a de n o 134 do T ST: "Ao menor não aprendiz é devido o salário mínimo integral".
Tal fato se dá em virtude do ônus que o aprendiz representa para o empregador.
Quando o menor for submetido à aprendizagem metódica no próprio emprego, pode requerer, por si ou por seus responsáveis, exame de habilitação no ofício ou ocupação (Decreto n o 31 .546/52, art. 60 ).
Com efeito, são requisitos de validade do contrato de aprendizagem: a observância da idade do menor de 14 a 18 anos; a da aprendizagem metódica, em ofício e ocupação que a permita; o respeito ao tempo de duração do aprendizado e a prévia anotação da CTPS.
Noutro falar, a simples anotação na CT PS, requisito indispensável do contrato de aprendizagem, dispensa a feitura de contrato escrito e dá ao contato de aprendizagem forma solene.
Na mesma linha de raciocínio, é oportuno aludir que o contrato de aprendizagem será extinto: 1) quando o menor tiver atingido 18 anos; 2) quando o menor for considerado habilitado, mesmo antes do término regular do curso (Decreto n o 31 .546/52, art. 60); 3) quando o tempo máximo para a aprendizagem, nunca superior a 3 anos, tiver se esgotado (Decreto no 31 .546/ 52, art. 40, § 20; e 4) em sido cometida justa causa pelo menor, faltando ao curso e aos trabalhos escolares (CLT, art. 432, c/c art. 80 do Decreto-Lei no 8.622/46).
Debate acirrado se dá em relação ao fato da extinção do contrato quando o empregado completar 1 8 anos sem que o curso de aprendizagem tenha sido ultimado. Antônio Lamarca1 7 advoga tese de que a aprendizagem deve continuar "por entender que se pode concluir o contrato de aprendizado, desde que firmado antes de concluída a maioridade". Outros autores de peso se orientam no sentido de que, completados 1 8 anos, o contrato de aprendizagem tem que se findar, passando o empregado a perceber no mínimo o salário mínimo legal. Nos filiamos à última corrente, pois continuar com o contrato de aprendizagem após os 18 anos desnaturaria a natureza do contrato, que é especial e tem o fim de aprimorar o conhecimento técnico dos menores.
Para arrematar, impõe sublinhar que o menor rural também é suscetível à aprendizagem. Para que isso
fosse possível foi criado, pelo Ministério do Trabalho, o SENAR — Serviço Nacional de Formacão Profissional Rural, pelo Decreto nº 77.354 de 23.03.76, conforme já o dissemos linhas atrás.