Os efeitos da revelia quando rever for a fazenda pública, n° 589

Por: Janguiê Diniz
08 de Jan de 1996

1 — JUSTIFICAÇÃO DO TEMA


Neste trabalho faremos um breve estudo sobre a revelia e a impossibilidade de aplicá-la em se tratando de pessoa jurídica de direito público, já que, in casu, na coisa". Noutro falar, direito indisponível e o direito do qual seu titular não pode fazer uso livremente. Loibel Man ensina que direito indisponível a aquele sobre o qual existe impedimento legal ou natural para a transferência do domínio ou da posse, seja a que título for. nossa 6ta, os direitos são indisponíveis.


Submeter Pontes de Miranda  ensina que, "se dos direitos não mos a questão à apreciação dos que se ocupam do debate poderia dispor o réu", estes são disponíveis. Sobre o tema, embora sem a mínima pretensão de esgotar o professor Calmon de Passos  preleciona que a matéria, mas tão-somente com a intenção de prestar contribuição a discussão pertinente ao assunto.


2 — CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A prima facie, e de toda prudência se encalamistrar hic et nunc que a lugar comum, hoje, diz-se que o direito, como faculdade reconhecida a uma pessoa, pode ser a qualquer tempo por esta renunciado. Entrementes, além de o tema ser trivial, enganador, porquanto é certo que existe uma categoria ampla de direitos que está fora do aspecto de disposição dos seus titulares, e, entre eles encontram-se os da Fazenda Pública, por serem indisponíveis.


3 — LEGISLAÇÃO


Diz o artigo 285 do CPC, in verbis: "Estando em termos a petição inicial, o juiz a despa- char, ordenando a citação 5o do réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a ac5o, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor" (o grifo é nosso). Ademais, o artigo 319 do mesmo diploma legal enfatiza ad litteram: "Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (grifamos).


Outrossim, o artigo 320, inciso II, do mesmo C6digo Adjetivo Civil assevera, textualmente: "A revelia não induz, contudo, o efeito- mencionado no artigo antecedente: I — omissis; II — se o litígio versar sobre direitos indisponíveis" (grifamos, para realçar). Por outro lado, o artigo 1035 do Código Civil sublinha: "Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transac 5º" (grifamos). O artigo 302, inciso I, do Código de Processo Civil, giza: "Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo: I-se não for admissível!, a seu respeito, a confissão" (grifamos).


Ainda é de boa política para análise da terra a transcrição 5º do art. 351, também do Código de Processo Civil: "Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis" (grifamos).


4 — INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS DA FAZENDA PÚBLICA


Se procedermos a hermenêutica mais razoável dos preceptivos ut supra, Basta a gramatical para chegarmos a uma série de conclusões: primus, não se admite a confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis;secundus, só se admite transacionar direitos patrimoniais de caráter privado, jamais público; tertius, a revelia não gera efeitos quando se trata de direitos indisponíveis. Socorremo-nos do Aurélio para dizer que indisponível 6 "aquilo de que não se pode dispor".


E dispor significa "usar livremente; fazer o que se quer de alguém ou de alguma velha '' todo o direito em relação ao qual o titular não é livre de manifestar a sua vontade". Sérgio Sahione Fadel é magistrado que "direitos indisponíveis e inalienáveis são aqueles a respeito dos quais a parte não pode transigir". Ampliando o quadro de análise, é auspicioso trazer a baila que direitos como o de alimentos, o de path poder, advenientes de casamento, bem como direitos da Fazenda Pública, são tipicamente considerados indisponíveis. Quem nos concede autoridade para assim nos expressarmos são os ilustres professores Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco 7, quando enfatizam: "Mas, alern dessas hipóteses de indisponibilidade objetiva, encontramos aqueles casos em que a uma especial condição da pessoa que impede a disposição de seus direitos e interesses (indisponibilidade subjetiva): e o que se dá corn os incapazes e com as pessoas jurídicas de direito público".


José Frederico Marques ensina que o ônus de responder, ligado que está ao princípio dispositivo, produz os efeitos peculiares a revelia quando desatendida em processo atinente a direitos disponíveis. Aliás, o mesmo princípio segundo o qual os efeitos da revelia só alcançam os direitos disponiveis, vigora plenamente no Direito germanico. Neste contexto, os administradores pÚblicos, quando objetivam os seus misteres profissionais, são obstados por lei de disporem dos direitos, já que estes não lhes pertencem, mas à coletividade, ao interesse Com efeito, nos moldes dos artigos 302 e 351 do CPC, c/c 1035 do Código Civil, antes transcritos, não podem transigir nem tampouco confessar, já que seus direitos são indisponíveis. Feitas essas considerações, resta-nos saber qual seria o efeito da revelia imputada à Fazenda Pública.


5 — DA REVELIA


Nas palavras de Theodoro Júnior, "ocorre revelia ou contumácia quando, regularmente citado, o réu deixa de oferecer resposta à ação, no prazo legal" 1 °. Ademais, acrescenta o citado autor, ocorre também revelia, "tanto quando o réu não comparece ao processo no prazo da citacao, como quando, comparecendo, deixe de oferecer contestacao".


Em Direito Processual Trabalhista, Batalha ensina que a contumácia se caracteriza pela ausência de defesa.12 Logo, mesmo comparecendo a audiência de conciliação, que aquela designada para se tentar o acordo, ou não havendo a apresentação de defesa do réu, este comparecendo mas nao se defendendo, a contumácia e revelia se consubstancia. Diante da revelia, torna-se desnecessária, portanto, a prova dos fatos em que se baseou o pedido, de modo a permitir o julgamento antecipado da lide, dispensando-se, desde logo, a audiência de instrução e julgamento. E o que diz o art. 330, inciso II, do CPC.


Ademais, em se configurando a revelia, os fatos afirmados pela parte autora são tidos como verdadeiros. Entrementes, como foi visto ut supra no art. 320, a revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo 319 do mesmo diploma, quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis.


Com efeito, porquanto, como foi visto, os direitos dessas instituições são indisponíveis. E que os seus administradores não são livres para usá-los a seu talante ou fazer deles o que bem entenderem. Nosso ponto de vista não é uníssono. Vários autores de obra convergem para o nosso ponto de vista. Darcy Arruda Miranda, Darcy A. M. Junior e Alfredo Luiz Kugelmas 13 salientam que, "referentemente às pessoas públicas, não se produziram os efeitos da revelia, vale dizer, não serão reputados verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (CPC, art. 319). E que incide, na espécie, a regra do artigo 320, II, CPC, a dizer que a revelia não induz o efeito do art. 319 se o litígio versar sobre direitos indisponiveis".


Wellington Moreira Pimentel 14 assevera que, da mesma forma que no código portugues, o nosso, quando se tratar de Brasília, 8 de janeiro de 1996 (Ac. un. do 3° Grupo da Câm. Cível do TJSE, no Al 10/ 84, Rel. Des. Antonio Machado, TJSE 7/72). "Processual Civil, Revelia, Confissão, Créditos Fiscais, Direitos Indisponíveis, CPC, artigos 319, 320, II, e 351. I. Referentemente às pessoas públicas, não se produzirão os efeitos da revelia, vale dizer, não serão reputados verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (CPC, art. 319). E que incide, na espécie, a regra do artigo 320, II, CPC, a dizer que a revelia não induz o efeito do art. 319 se o litígio versar sobre direitos indisponíveis. II. Os créditos fiscais são indisponíveis (CTN, art. 141, Lei n° 6.825/80, artigo 5°, parágrafo único). (...)." (Ac. TFR 4° T, Remessa Ex-Officio n° 67.773-RJ. Rel. Carlos M. Velloso, DJ 27.06.85, fis. 10.565). "Revelia — Efeitos — Pessoa Jurídica de Direito Público — Corn efeito, em se tratando da Fazenda Pública, se esta deixar de contestar a ac5o, quer seja em seara da Justiça "pessoa jurídica de Direito PÚblico (Uni5 O, Estado, Território ou município) a revelia não induzirá a que se reputam verdadeiros os fatos alegados pelo autor. E que, quando se trate de uma daquelas entidades, seus representantes ou administradores não têm a disponibilidade dos direitos, que são, assim, indisponíveis, situando-se a hipótese na alínea II do art. 320". Da mesma forma Milton Flaks 15 leciona que, com os direitos das Pessoas Jurídicas de Direito Público não podem ser pelos seus administradores usados livremente, a revelia quanto a essas pessoas não produz o efeito mencionado no art. 319 do CPC. Ainda sobre o assunto, veja-se o magistério de José Olympio de Castro Filho em brilhante artigo 16 . Escreve ele que não se pode ter como verdadeiro o fato alegado pelo autor e não, contestado pelo réu, quando este for pessoa de direito público. E entre nós o caso da Uni5o, dos Estados e dos municípios em que, como sabem os seus procuradores ou advogados, nao tern poderes para confessar, para reconhecer fato, e por isso uma série considerável de acordos de nossos tribunais, inclusive no Supremo Tribunal, tem reiteradamente decidido que a não-contestação do fato pela União, Estados e municípios não induz a presunção de verdade do fato alegado pelo autor".


De asseverar, ainda, que várias Medidas Provisórias expedidas pelo Presidente da República assim se manifesta- ram, estando a viger a de n° 537, de 28 de junho de 1994, publicada no Diário Oficial da União em 29 de junho de 1994, a ser convertida em lei, que assevera, através do art. 5°, parágrafo único: "N5o se aplica a Uni5o a cominac 5 de revelia e confissão". Essa medida dispõe sobre o exercício das atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergencial e provisório.


Para corroborar o nosso ponto de vista, vejam sobre o assunto o consensus omnium jurisprudential: "Efeito da Revelia ... Os efeitos da revelia só alcançam os direitos disponíveis. Impõe-se, em consequência, o provimento do recurso a fim de que, afastado o decreto de revelia lançado contra a Municipalidade, seja a causa decidida pelo mérito." (Rel. Dinio Garcia. Ap. 46.250-2 RJTJESP 88/246, RT 595/126). "Efeito da Revelia — O instituto de revelia tomou contornos e dimensões que, embora defendidos, há muito tempo, pelos praxistas, principalmente os italianos, só se transformaram em normas axiomáticas corn o novo CPC, para adequar- se aos princípios norteadores do novo ordenamento processual, principalmente aos princípios de economia e celeridade processuais. Dal° julgamento antecipado da lide, como corolário lógico() do instituto da revelia induzindo aceitação tácita da veracidade dos fatos afirmados pelo autor (art. 319 do CPC). Entretanto, este princípio que a lei adotou, como regra geral, admite exceções, todas inseridas na própria lei (art. 320, incisos I, II e III). Dentre estas, está a exceção de que a revelia não induz a aceitação da veracidade dos fatos afirmados pelo autor quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis. No caso sub judice, sendo o município pessoa jurídica de direito público° interno no mesmo nível da União e do Estado, os seus direitos são indisponíveis, e, assim, impermeáveis aos efeitos do instituto da revelia." Excluído quando se trata de direitos indisponíveis — Art. 320, inciso II, do CPC — Revelia Afastada". (RJTJESP 88/246). No mesmo sentido RTJ 84/631; RTFR 90/31, 121/133, 125/42; RJTJESP 92/221 (após parecer de João Parente Muniz e Seu Filho). PENA DE CONFISSÃO — ENTE PÚBLICO "A pena de confissão ao ente político é proibida pelos artigos 320, inciso II, e 351 do CPC. Acima de tudo deve prevalecer o interesse público que resguarda o seu patrimônio com direito indisponível. Somente quando autorizado por lei haverá possibilidade da confiss o." (TST 1° T. Acord 5 n° 3.828/91 — RR 23.679/91.9 — Rel. Ursulino Santos). 6


— CONCLUSÃO


À guisa de arremate, cumpre asseverar que os direitos da Fazenda Pública federal, estadual ou municipal são indisponíveis. Neste diapasão, os administradores são instados ex-vi legis de transacionar ou confessar. Outrossim, a revelia não produz efeito quando se tratar da Fazenda Pública.

1. Ferreira, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Nova Fronteira, 15' ed., pag. 759. 2. Op. cit., pag. 482. 3. Loibelman, Enciclopedia Jurídica, vol I, Ed. Rio, pag. 259. 4. Miranda, Pontes, Comentarios ao Codigo de Processo Civil, tomo IV, Forense, pag. 183. 5. Passos, Calmon,Comentários ao Código de Processo Civil, 4° ed., Forense, vol. III, p.P. 406-408, apud parecer magistral do Procurador do Estado João Parente Muniz e Sá Filho. 6. Fadel, Sergio Sahione, Código de Processo Civil Comentado,tomo II, José Konfino Editor, peg. 211. 7. Cintra, Antonio Carlos de Araújo, Teoria Geral Do Processo, 6° ed., Revista dos Tribunais, pág. 9. 8. Marques, José Frederico, Manual de Direito Processual Civil, 4° ed., vol II, pgs. 369 e 372. 9. Cf. Schonke, Lb., des Zivilprozessrechts, 8° ed., § 79, III/2; Gaupp, Stein & Jonas, Kommentar Zur ZPO, 18' ed., I, § 331, II/ 2 (apud CPC nos Tribunals, de Darcy Arruda Miranda, arts. 286 a 485, peg. 1790). 10. Junior, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, vol I, Forense, 12° ed., peg. 390. 11. Op. cit., pág. 390. 12. Batalha, Wilson de Souza Campos, Tratado de Direito Judiciário do Trabalho, LTr., peg. 473. 13. Miranda, Darcy Arruda, Código de Processo Civil nos Tribunais, arts. 286 a 485, Brasiliense, pag. 1787. 14. Pimentel, Wellington Moreira, Comentarios ao Codigo de Proces- Uso Civil, Rev. dos Tribunais, pp. 333-334 (apud parecer do professor e Procurador do Estado de Pernambuco João Parente Muniz e Sá Filho). 15. Flaks, Milton; Comentários 6 Lei de Execução Fiscal, Forense, n° 251, pag. 238. 16. Filho, José Olympia de Castro, Forense, vol. 246, peg. 208.

(*) O autor é Proc. do Trabalho do Min. PÚblico da Uni 5 O (ex-Juiz de Carreira do TRT da 6ª Região) Mestrando em Direito Público UFPE e Professor Universitário de Processo Trabalhista e Civil em Pernambuco.

 

Transformando

Sonhos em Realidade

Na primeira parte da minha autobiografia, conto minha trajetória, desde a infância pobre por diversos lugares do Brasil, até a fundação do grupo Ser Educacional e sua entrada na Bolsa de Valores, o maior IPO da educação brasileira. Diversos sonhos que foram transformados em realidade.

Receba as novidades em primeira mão!